Os patos são Homens, como tantos outros, que atrás da máscara do conhecimento e alegria radiante, escondem os seus problemas habituais e rotineiros.
Isto, como é óbvio, não vem a propósito de nada... Seria apenas uma breve introdução para que todos percebessem que, tal como tantos outros seres semi-humanos à face da terra, os patos são animais de trabalho, que geram riqueza para o país. E essa riqueza não se converte na facilidade da vida... pelo contrário, tornam-se escravos da sociedade civil que vê neles a capacidade de viver à conta o resto da vida.
Somos nós os criminosos, somos nós os perseguidos.
Nós é que sorrimos ao levar com o desconto do IRS e da Segurança Social todos os meses, no recibo de vencimento. A Segurança Social, infelizmente, não parece ser para nós... vivemos já na certeza de que serão os nossos fundos privados de reforma que nos garantirão a velhice, visto que o Estado nunca cá estará para nós.
Assim se passam os dias, trabalhando, pagando contas, plantando tostões em terreno estéril.
Entretanto, por cá... o Estado vai criar uma base de dados com os potenciais devedores ao Fisco. Não os devedores; somente os potenciais devedores.
Aqui não interessa pensar em quem roubou e em quem rouba... apenas interessa saber que se algum de nós colocar o pé na argola, em décimas de Euro que seja, levaremos com a condenação adequada em nome de Apitos e Sacos Azuis.
Não tenho mesmo o hábito de fazer republicações de publicações, mas este está mesmo demais.
No dia 21 deste mês, o Jornal de Notícias publicou um artigo fantástico de Mário Crespo. Coloco-o abaixo, devidamente referenciado, não o comentando sequer... penso que o encadeamento das palavras diz tudo.
O homem, jovem, movimentava-se num desespero agitado entre um grupo de mulheres vestidas de negro que ululavam lamentos. "Perdi tudo!" "O que é que perdeu?" perguntou-lhe um repórter.
"Entraram-me em casa, espatifaram tudo. Levaram o plasma, o DVD a aparelhagem..." Esta foi uma das esclarecedoras declarações dos autodesalojados da Quinta da Fonte. A imagem do absurdo em que a assistência social se tornou em Portugal fica clara quando é complementada com as informações do presidente da Câmara de Loures: uma elevadíssima percentagem da população do bairro recebe rendimento de inserção social e paga "quatro ou cinco euros de renda mensal" pelas habitações camarárias. Dias depois, noutra reportagem outro jovem adulto mostrava a sua casa vandalizada, apontando a sala de onde tinham levado a TV e os DVD. A seguir, transtornadíssimo, ia ao que tinha sido o quarto dos filhos dizendo que "até a TV e a playstation das crianças" lhe tinham roubado. Neste país, tão cheio de dificuldades para quem tem rendimentos declarados, dinheiro público não pode continuar a ser desviado para sustentar predadores profissionais dos fundos constituídos em boa fé para atender a situações excepcionais de carência. A culpa não é só de quem usufrui desses dinheiros. A principal responsabilidade destes desvios cai sobre os oportunismos políticos que à custa destas bizarras benesses, compraram votos de Norte a Sul. É inexplicável num país de economias domésticas esfrangalhadas por uma Euribor com freio nos dentes que há famílias que pagam "quatro ou cinco Euros de renda" à câmara de Loures e no fim do mês recebem o rendimento social de inserção que, se habilmente requerido por um grupo familiar de cinco ou seis pessoas, atinge quantias muito acima do ordenado mínimo. É inaceitável que estes beneficiários de tudo e mais alguma coisa ainda querem que os seus T2 e T3 a "quatro ou cinco euros mensais" lhes sejam dados em zonas "onde não haja pretos". Não é o sistema em Portugal que marginaliza comunidades. O sistema é que se tem vindo a alhear da realidade e da decência e agora é confrontado por elas em plena rua com manifestações de índole intoleravelmente racista e saraivadas de balas de grande calibre disparadas com impunidade. O país inteiro viu uma dezena de homens armados a fazer fogo na via pública. Não foram detidos embora sejam facilmente identificáveis. Pelo contrário. Do silêncio cúmplice do grupo de marginais sai eloquente uma mensagem de ameaça de contorno criminoso - "ou nos dão uma zona etnicamente limpa ou matamos." A resposta do Estado veio numa patética distribuição de flores a cabecilhas de gangs de traficantes e autodenominados representantes comunitários, entre os sorrisos da resignação embaraçada dos responsáveis autárquicos e do governo civil. Cá fora, no terreno, o único elemento que ainda nos separa da barbárie e da anarquia mantém na Quinta da Fonte uma guarda de 24 horas por dia com metralhadoras e coletes à prova de bala. Provavelmente, enquanto arriscam a vida neste parque temático de incongruências socio-políticas, os defensores do que nos resta de ordem pensam que ganham menos que um desses agregados familiares de profissionais da extorsão e que o ordenado da PSP deste mês de Julho se vai ressentir outra vez da subida da Euribor.
http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=969930&opiniao=M%E1rio%20Crespo